Ponto de vista

O CULTO AO INCULTO


Caro leitor (a);

Escrevo como ouvinte, não como músico. No que vou dizer aqui não há qualquer inveja do sucesso alheio, ou coisa do gênero. Dito isso, vou direto ao assunto.

Vivemos uma época de pouca, quase nenhuma, produção musical de valor. Obviamente, em um mundo mutante e globalizado onde quase tudo é sistêmico, a atual enxurrada musical  de baixa qualidade não é a única mancha no oceano de valores deteriorados.  Mas, atenhamo-nos a ela. Por estar inserida em um amplo contexto de mudanças sociais, é impossível detectar quando essa má fase teve início, tanto quanto é difícil apontar um culpado pela derrocada. Basicamente, existem três agentes envolvidos: ARTISTA (músico/compositor), MÍDIA e PÚBLICO. Cada um tem sua parcela de culpa nesse processo. Quando questionados culpam uns aos outros, mas são tão interdependentes  e estão tão atrelados  entre si que é difícil culpar qualquer deles  separadamente pelo baixo nível do que se ouve ou vê.

A PARCELA DE CULPA DO ARTISTA - Não é preciso ir muito longe para encontrar um músico que ganhou fama cantando vulgaridades.  Apesar disso, não se pode atribuir a culpa exclusivamente ao artista  pela falta de conteúdo do que roda por aí,  embora alguns exagerem na dose. Com raras exceções, quem faz da música o seu meio de vida  busca o sucesso e faz o que for necessário para obtê-lo. Ocorre que, em nosso país, quem não tira a roupa no palco não é objeto de interesse nem da grande mídia nem do grande público, portanto, a questão é cultural. Ou talvez  “incultural”.

A PARCELA DE CULPA DO PÚBLICO - Não temos exatamente a cultura de ouvir música. Excetuando-se a música erudita, que goza de espaço e público diferenciados, qualquer evento destinado ao grande público só dispõe de espaço “enjambrado” e vem  atrelado aos instintos.  Para obter sucesso, o evento tem de ser associado a comida (e bebida, é claro) ou a dança, ou a tudo isso misturado. Quando rola comida, a música é o que menos importa e só é notada pela ausência. Enquanto dura a farra gastronômica ela é apenas fundo, e alguns dizem que até atrapalha a conversa. Outros reclamam somente quando ela para inesperadamente  e algum palavrão, dito na hora errada, sobra no silêncio.  E nos bailes, é claro, ela passa a ser indispensável porque não dá pra dançar sem música. Mas se desse ela seria dispensada, porque a finalidade da dança, na maioria das vezes, também é estimular o instinto e abrir caminho para “otras cositas mas”.  Com essa visão da cultura popular,  e de olho no lucro, quem promove eventos “culturais” pensa logo em comida ou baile.  

A PARCELA DE CULPA DA MÍDIA  - Por ser algo lucrativo, há um grande interesse em veicular porcaria de forma massiva. É simples. A porcaria vende. A nudez  está na vanguarda das imagens que mais vendem, e o duplo sentido, com apelo à depravação, puxa as vendas do áudio. Aos comunicadores caberia o papel de reeducar, mas sei de profissionais do rádio que foram despedidos por contrariar essa maré de dejetos, e de artistas que são coagidos a gravar apenas conteúdos comerciais (leia-se conteúdo zero), por ser o que vende.

CONCLUSÃO - Só tendo esse tipo de coisa para ver e ouvir, o povo passa a cultuar a baixaria  e a entendê-la como cultura. A partir daí a coisa vira círculo vicioso, porque o artista precisa gravar o que a mídia roda, a mídia tem o  pretexto de que precisa rodar aquilo que o público gosta, e o público, por sua vez, não evolui, porque não pode gostar daquilo que não conhece. Pronto, está dado e justificado o nó cultural, o culto ao inculto. Mudar essa mentalidade é algo que demanda tempo e trabalho. É mais fácil e lucrativo mantê-la. Isso prova que, do ponto de vista econômico, a ignorância  é   muito melhor investimento do que a cultura, da mesma forma que a doença dá muito mais lucro do que a saúde. (artigo publicado na revista SOMANDO, edição de Ago/2017.  http://rdplanalto.com/revista-somando/59)

 



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